sábado, 12 de dezembro de 2009

China é acusada de ajudar filhos da elite da Namíbia com bolsas de estudo

Jornal do país africano denunciou suposta benesse a altas autoridades.

Agências governamentais envolvidas não responderam às acusações.
Sharon LaFraniere Do New York Times, em Pequim

Assim como os pais de qualquer lugar, as mães e pais da Namíbia, um pobre país localizado no sul da África, se preocupam com custos da faculdade e oportunidades para seus filhos. O governo chinês se adiantou para ajudar – para alguns poucos poderosos.

Até agora neste ano, o governo de Pequim têm cedido secretamente bolsas de estudo na China aos filhos de nove altas autoridades, incluindo a filha do presidente da Namíbia, Hifikepunye Pohamba. Dois jovens parentes do ex-presidente da nação e patriarca nacional, Sam Nujoma, também receberam bolsas.

A divulgação dessas bolsas, reveladas inicialmente por um agressivo jornal namibiano, deflagrou uma onda de fúria em grupos locais da sociedade civil e organizações de jovens. Num país onde cinco em cada seis estudantes terminam sua carreira acadêmica na graduação do colegial, muitos consideram inconcebível que líderes governamentais, muito bem pagos, aceitem bolsas universitárias de estrangeiros para seus filhos.


Foto: The New York Times

Fachada do prédio do Exim Bank, em Pequim. (Foto: The New York Times)


“Apenas membros seniores do governo sabiam a respeito das bolsas”, disse Norman Tjombe, diretor do Centro de Assistência Legal, organização sem fins lucrativos. “Nenhuma chance foi dada ao público em geral.”

A controvérsia reativou um polêmico debate na Namíbia sobre os acordos com o governo chinês, que já estavam sendo analisados por promotores namibianos. Questionamentos lá, e em outros países em desenvolvimento da África e da Ásia, colocaram uma nova luz sobre como a China algumas vezes usa empréstimos e apoios estrangeiros para criar alianças com a elite e facilitar a aprovação de contratos sem concorrência.

Até mesmo alguns membros do partido governante da Namíbia, chamado Swapo, estão questionando se a China estaria tentando comprar influências com a liderança política de seu país para ganhar acesso a recursos minerais, ou para obter novos negócios para suas bem relacionadas empresas.

“Como é que esse favor simplesmente cai do céu?” disse Elijan Ngurare, secretário-geral da liga jovem do Swapo, numa entrevista por telefone. “Obviamente, eles estão querendo alguma coisa”.

Para alguns especialistas em relações internacionais, a controvérsia das bolsas ilustra um ponto cego na agressiva estratégia chinesa de cimentar alianças diplomáticas, obter recursos naturais e solicitar comércio e negócios no continente africano. Ao menos na Namíbia, autoridades do governo chinês parecem ter sido pegos de guarda baixa pela descoberta pública de uma vibrante sociedade civil.

O escândalo das bolsas foi revelado pela primeira vez no Informante, um tabloide gratuito da capital namibiana, Windhoek, com um pomposo lema: “Você esconde. Nós revelamos”. Esse trabalho não tem correspondente na China, onde até mesmo as mídias mais agressivas param antes de suscitar questões desfavoráveis sobre as ações de altas autoridades e seus filhos.

Bates Gill, diretor do Instituto Internacional de Paz de Estocolmo, disse que a China estava acostumada a relações opacas e controladas entre governos. “O engajamento da China na África está se movendo mais adiante e com mais rapidez do que sua habilidade de tentar moldar as percepções de lá”, disse ele. Como resultado, “inevitavelmente haverá constrangimentos”.

A lista na Namíbia está crescendo. Em julho, investigadores anticorrupção alegaram que um funcionário chinês controlado pelo governo havia facilitado um contrato de US$55,3 milhões para vender scanners de segurança ao governo namibiano com milhões de dólares em propinas. O questionamento é particularmente delicado, pois, até o final do ano passado, Hu Haifeng, filho do presidente chinês Hu Jintao, administrava a empresa de scanners. Uma autoridade do Ministério do Comércio Chinês disse, recentemente, que a China estava cooperando com as autoridades namibianas.

Outra investigação traz alegações de que uma empresa chinesa de armamentos haveria canalizado US$ 700 mil ao tenente General Martin Shalli, o comandante das forças de defesa da Namíbia. O presidente do país suspendeu Shalli de seu posto em julho. Até agora, Shalli se recusou a comentar o caso.

Gill disse que tais alegações ameaçavam minar a impressionante campanha chinesa para unir seu continente ao da África. No geral, embora a China esteja fazendo “uma enorme contribuição positiva ao desenvolvimento africano”, disse ele, ela ainda está desacostumada com a dinâmica de algumas democracias da África.

No recente Fórum pela Cooperação China-África, o primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao, anunciou que a China iria dobrar o valor de empréstimo a baixos juros oferecidos à África para US$ 10 bilhões nos próximos três anos, aumentar o número de bolsas e reduzir as tarifas sobre produtos vindos das nações mais pobres.

Porém, ele pareceu frustrado quando lhe perguntaram se a China estaria atrás apenas de seus recursos naturais. “Por que sempre há acusações contra a China?” perguntou ele numa coletiva de imprensa no Cairo, em 8 de novembro. “Esse é um ponto de vista africano ou simplesmente ocidental?”

Na Namíbia, cientistas políticos dizem que as preocupações estão crescendo sobre se autoridades estariam negociando contratos secretos com os chineses. “As pessoas estão pensando que a China está fazendo acordos secretos com o governo daqui, e o povo está com todo tipo de suspeita”, disse Carola Engelbrecht, uma cidadã ativista.

Os recebedores das bolsas são filhos de algumas das autoridades mais poderosas da Namíbia, incluindo o inspetor-geral da policia namibiana e o ministro da justiça, que é também o secretário-geral do partido Swapo.

Um dos presenteados é filho do ministro da defesa, cuja agência compra armas da China. Outro é filho do ministro de assuntos internos e imigração, cujo gabinete é responsável por aprovar residência e permissões de trabalho para um exército de trabalhadores chineses – cujos empregadores venceram contratos governamentais ou privados para realizar negócios na Namíbia.

Três outros são filhos do ministro, ministro adjunto, e da terceira autoridade de maior nível do Ministério de Minas e Energia. Em junho, o ministério renovou uma licença que concede, à subsidiária de uma empresa estatal chinesa, direitos exclusivos para buscar urânio e outros minerais numa das principais áreas de prospecção.

A comissão anticorrupção do país iniciou uma investigação preliminar sobre como as bolsas foram concedidas. Autoridades do governo chinês reagiram de uma maneira familiar: três agências governamentais de Pequim não responderam perguntas escritas.

Xia Lili, primeiro secretário da embaixada chinesa em Windhoek, disse não ter nenhuma obrigação de responder a questionamentos. “Isso é assunto encerrado”, concluiu.
Entretanto, Bill Lindeke,cientista político do Instituto de Pesquisa de Políticas Públicas em Windhoek, disse que as autoridades namibianas poderiam ser forçadas a pagar pela educação de seus filhos na China, apenas para suavizar a controvérsia.

De início, autoridades da embaixada chinesa insistiram que o Ministério da Educação era o responsável pelo processo de seleção. Porém, o ministro da educação da Namíbia, Nangolo Mbumba, disse, numa coletiva de imprensa em novembro, que seu ministério cuidava apenas de dez bolsas a estudantes desprivilegiados, e nada tinha a ver com as outras bolsas – algumas das quais aparentemente cobrem até cinco anos de mensalidades.

Ele disse que a filha do presidente, Ndapanda Pohamba, hoje estudante da Universidade de Cultura e Linguagem de Pequim, “se inscreveu para a bolsa por sua própria conta, e só depois notificou seus pais”.
A declaração do ministro, de que “não se pode subornar alguém com uma bolsa”, desencadeou uma nova onda de indignação, num país cujas duas universidades podem acomodar apenas cerca de dois mil alunos, de um
total de 12 mil colegiais que se formam anualmente.
“Sr. Mbumba: qualquer coisa de valor que o senhor aceite, ou pior, solicite, constitui suborno caso o senhor trabalhe num cargo público”, disse um cidadão numa mensagem de texto postada no site do The Namibian, um jornal de Windhoek.

Tradução: Gabriela d'Avila

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