sexta-feira, 1 de junho de 2012

Um Real


In memorian de Mateuzin da Baixa (estudo ainda inacabado
de um poema inspirado numa foto)


Um real na favela vale muito,
Vale o pão do café das mães,
Vale meia dúzia de “ovo”
Pra misturar no miojo do almoço,
Vale uma viagem pelo mundo
Nos caminhos imensuráveis Da web

Um real na favela vale muito,
Vale um guaravita e um traquina
Pra enganar a barriga, até chegar
Em casa quando falta merenda Na escola
Um real na favela vale muito
Um real, de prata e dourado
Reluzente ao sol
Alumbrando a alma sublime
Na palma da mão de um
Menino morto por um estado
Policial fascista cruel e desumano...

A prata de moeda denuncia
A espada da perversa guerra,
O ouro da moeda denuncia
A ganância da classe dominante
E sua sanha de poder
A pequena mão espalmada
Mostrando a moeda é a própria
Mão do Tribunal Popular
Permanente do Mundo sentenciando
Que a vida de uma criança
Não tem preço,
não se mede por dinheiro,
Ela é imensurável, como seus sonhos,
Suas esperanças, seu futuro, sua vida,

Um real na favela vale muito,
Um real na mão de uma criança
Assassinada numa viela de favela
Pela cruel e desumana mão armada
Do estado policial é uma sentença muda:

O Estado Policial Não presta, e antes
Que reduza a vida no Campo,
favela e na periferia
A uma prata de real,
É preciso, sentar no banco dos réus
Do Tribunal Popular dos Povos,
Ser julgado, condenado e sentenciado
A ser destruído e reduzido a nada.

Um real na favela vale muito,
Quando na mão espalmada
De uma criança morta pelo estado...
Porque mostra que os governantes
Não prestam, não valem sequer
Um real de pinga aguada.


Do facebook de Alcides Alencar Albuquerque Júnior que compartilhou a foto de Danilo Georges.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Dignidade


Sábado pela manhã estava eu na rua Mato Grosso, no bairro  de Higienópolis, em frente ao Medical Center esperando os carros passarem, para que pudesse atravessar a rua.
Olha para esquerda veem carros, olho pra direita também veem carros, porém uma cena me chama à atenção. Um maltrapilho chega numa lixeira e começa a revirá-la. Tira de lá um resto de panetone, com aquele papel forma. Pega o pedaço maior e oferece ao seu cão, que já esperava sentado. Então raspa com a mão e joga na calçada. Imediatamente 10, 12 pombos descem comer os farelos ali jogados. O cão continua sentado. O homem se dirige novamente para lata de lixo, vira, revira. Sai com uma lata pequena, fica de cócoras, coloca aquele papel forma na calçada e com o fundo da lata, raspa, raspa, raspa, como se quisesse tirar o impossível dali. Amontoa aquelas migalhas com a mãe que faz um bolinho e dá na boca do cão, que engole de vez. Nem dá tempo de mastigar, urgência da fome. O maltrapilho levanta-se leva até o lixo a latinha e o resto de papel do panetone.
Levanta um braço rapidamente como que querendo espantar os pombos que levantam voo até os fios do outro lado da rua. Convida seu cão que obediente ainda permanece sentado. Levanta e acompanha seu companheiro de vida rua acima. Quando haverá outra parada dessa? Talvez lá na esquina aonde tem outra lixeira. Teremos a mesma cena? Não sei, não sei o que tem dentro da próxima lixeira... Eu aproveito os segundos sem carros na rua e atravesso, seguindo meu caminho. Por 5 minutos ou mais eu tive um ser humano digno na minha frente.
Este texto descrevendo a cena da rua é uma homenagem a minha ex- professora, educadora, amiga e companheira de tantas jornadas Elaine Tavares.


segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Do excelente http://blogdotarso.com/

Thomaz Wood Jr diz que universidades brasileiras transformaram-se em linhas de montagem com capatazes, metas e burocracia, com professores-pesquisadores conformistas, opacos e descontentes com as condições de trabalho e as pressões por produtividade, com multiplicação de mestres/doutores ineptos e a proliferação de artigos científicos que nunca serão lidos, matando os operários e prejudicando a qualidade da produção, um sistema caro, improdutivo e insalubre


Inferno na torre… de marfim.
Thomaz Wood Jr.*
Certas profissões e ocupações povoam os sonhos dos jovens, sugerindo autor-realização ou simbolizando status. Porém, após conhecerem o apogeu, parecem seguir para um inevitável declínio. A engenharia, a advocacia e a medicina já tiveram dias melhores, mas seguem a trilha da proletarização, perdendo o prestígio e a aura. A economia e a administração também mostram sinais de decadência, depois de momentos fugazes de glória. Fenômeno similar parece atingir a ocupação de professor-pesquisador, praticada por uma pequena elite, incrustada nos andares mais elevados das torres de marfim do ensino superior. Comecemos pelo sonho. Depois, o feijão.
O professor-pesquisador, profissional que atua em programas de pós-graduação, é um ser privilegiado. Não é nem será um milionário, mas conta com salário digno e emprego vitalício. Tem liberdade para trabalhar no que lhe interessa e conta com acesso facilitado aos recursos de fundos de pesquisa. Viaja regularmente pelo mundo para discutir suas descobertas científicas em cidades fascinantes e resorts bucólicos. Dedica-se à nobre função do magistério, mas apenas oito meses por ano. Leciona poucas horas por semana para pequenas classes povoadas por corações interessados e mentes brilhantes. Seu horário de trabalho é flexível e seus objetivos e metas são determinados por ele mesmo. Vive em um campus arborizado e tranqüilo, longe da poluição e da agitação. Seus encontros sociais envolvem conversas inteligentes sobre temas relevantes. Desobrigado de olhar para o tedioso presente, concentra-se em desvendar o passado e mirar o futuro. De tempos em tempos, para ampliar seus horizontes, tem direito a um período sabático, durante o qual, com apoio de uma agência governamental, leva sua família para a Europa ou para os Estados Unidos. É reconhecido por seus pares e pela sociedade, que o têm na mais alta conta por sua sapiência e dedicação desinteressada ao bem comum. Afinal, ajuda a edificar os pilares do nosso progresso tecnológico e a formar nossa futura elite intelectual.
Essa imagem idílica pode ser observada em Harvard, Oxford e Cambridge ou, mais provavelmente, nas películas de Hollywood que romanceiam a vida nessas universidades. No entanto, a realidade parece caminhar em outra direção. Em renomadas instituições de ensino locais o mato cresce, o ar-condicionado não funciona, as mentes brilhantes deram lugar a criaturas conformistas e opacas, e a vida acadêmica assemelha-se cada vez mais ao trabalho em uma linha de montagem fordista, com capatazes, metas e uma irritante burocracia.
Conseqüência: cresce o descontentamento com as condições de trabalho e as pressões por produtividade na torre de marfim. Parte da revolta deve-se à reação usual a mudanças. No entanto, há também uma preocupação legítima com um sistema caro, pouco produtivo e que apresenta efeitos colaterais preocupantes, como a multiplicação de mestres e doutores ineptos e a proliferação de artigos científicos que nunca serão lidos.
Uma pesquisa publicada recentemente por Otacílio Antunes Santana, do Centro de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Pernambuco, explora outra dimensão preocupante da mesma questão: o efeito das condições de trabalho sobre a saúde dos docentes de pós-graduação. Seu ponto de partida foi a constatação do aumento de pedidos de licenças médicas, principalmente aquelas relacionadas a sintomas ou conseqüências de doenças cardiovasculares.
Santana analisou dados de 540 professores de seis faixas etárias, entre 36 e 65 anos. Suas conclusões fazem eco a um debate emergente na academia brasileira, acerca da pressão por produção científica e pela formação de mestres e doutores. A pesquisa comprovou que, quanto maior o número de publicações científicas e o número de orientandos, maior o número de intervenções cardíacas, doenças coronárias e acidentes vasculares cerebrais. Em suma, trabalhar nessas condições faz mal. O quadro é agravado, segundo Santana, pela falta de dieta equilibrada, de atividades físicas e acompanhamento médico regular dos docentes. Nas mais diversas latitudes e longitudes, o modelo tradicional de universidade está sendo criticado. Acelerar a linha de montagem e produzir mais mestres, doutores e artigos científicos é uma resposta simples para o desafio que se coloca, mas parece estar matando os operários e prejudicando a qualidade da produção. Pode ser mais um marco da passagem da era da elite bem pensante para a da pesquisa burocrática, conduzida por operários do conhecimento, uma etapa que talvez ainda resulte em ciência, mas por enquanto apenas mascara um sistema caro, improdutivo e insalubre.
Publicado na revista Carta Capital, edição nº 680
* Thomaz Wood Jr. é professor da FGV e articulista das revistas Carta Capital e Exame.






Do impagável Latuff