sábado, 13 de dezembro de 2008


PROTÓGENES - E transição para o regime civil. José Sarney pega o país em frangalhos, devendo até a alma, sem dinheiro para financiar as contas públicas, muito menos honrar compromissos, a famige­rada dívida com o FMI. Havia até o “decrete-se a moratória”. Era o papo nosso, da esquerda, dos estudantes, “não vamos pagar, já levaram tudo”. E o Sarney, o que faz? Bota a mão na ma­nivela e nossos títulos da dívida externa valiam, no mercado internacional, no máximo 20% do valor de face, era negociado na bolsa de Nova York. No paralelo valiam 1%. O que significa? Não passa pela bolsa. Comprei, quero me livrar, então 1% do valor de face, título de um país “à beira de uma convulsão social, ninguém sabe o que vai acontecer com aquele país, um conjunto de raças da pior espécie”: essa, a visão primeiro­mundista, o que representávamos para os ban­queiros. Escória. E aqui estávamos, discutindo a reconstrução do país. Vamos dialogar, botar os partidos para funcionar, eleições, e o Sar­ney tendo que dar uma solução. Fecha a mani­vela e toca a jogar título no mercado de Nova York. Cada título que valia 10%, 15%, mandava dinheiro aqui para dentro. Seis anos depois, o mercado financeiro internacional detectou que no Brasil haveria desordem, até guerra civil, e eles não iam receber o que tinham colocado aqui com a compra dos papéis podres, queriam receber mesmo os 15%. E fazem uma regrinha de três e colocam para o Banco Central: “Você vai instituir uma norma, os títulos da dívida ex­terna brasileira adquiridos no mercado finan­ceiro internacional, no nacional poderão ser convertidos junto ao Banco Central pelo valor de face desde que esse dinheiro seja investido em empresas brasileiras.” Bacana, não? Se fun­cionasse como ficou estabelecido, nosso país se­ria uma potência, não? Ainda que uma norma perfeita, acho um critério não normal, não é? Não é moralmente ético eu comprar um título por 15% e ter um lucro de 100%, em tão pou­co tempo. Mas enquanto regra de mercado fi­nanceiro tenho de admitir que sou devedor. Se vendi a 15%, na bolsa, assumi o risco de, no fu­turo, o lucro ser maior para o credor. Tenho que pagar. Foi assim que foi feito? Não. Será que o grupo Votorantim recebeu algum dinhei­ro convertido? Alguma outra empresa nacional do porte recebeu? Não. O que o sistema mon­tou? Uma grande operação em determi­nado período para sangrar as reservas do país, e ainda tinha as cartas de inten­ção, que diziam “se você não me pagar posso explorar o subsolo de 50 mil qui­lômetros da Amazônia”.

WAGNER NABUCO - Era a fiança?
PROTÓGENES - Sim. Então me deparo com um ban­co, o Paribas, hoje BNP-Paribas que se uniu ao National de Paris. Com três diretores, em São Paulo, e dois outros, mais um contador que foi assassinado e um laranja que se chamava Alberto. O banco adquire esses títulos, no va­lor de 20 milhões de dólares, não é? E converte no Banco Central e aplica em empresas brasileiras, empresas-laran­ja. Comprou no paralelo a 1 %, eram 200 mil dólares, e converteu a 20 mi­lhões de dólares aqui no Brasil e colo­cou nessa empresa-laranja…

MYLTON SEVERIANO Empresa de quê?
PROTÓGENES - De participações. Chamava-se Al­berto Participações, com capital so­cial de 10 mil reais. Já tem coisa erra­da. Como uma empresa com capital de 10 mil reais pode receber um investi­mento estrangeiro da ordem de 20 mi­lhões? Cadê o patrimônio da empresa? Como é que o Banco Central aprova? Mando pegar o processo. Ela investiu, vamos ver aon­de o dinheiro vai. Converteu os 20 milhões e ao longo de doze meses o dinheiro é sacado mensalmente na boca do caixa em uma conta e convertido no dólar paralelo e enviado para a matriz em Paris. Eu digo “Banco Central, me dá o processo do Paribas”. Aí não consi­go, quem consegue é o procurador que tra­balhava comigo, Luiz Francisco. Consegue e remete pra mim em São Paulo. Vejo que no Banco Central houve uma briga interna pela conversão. Os técnicos se indignaram, e inde­feriram. Aí houve uma gestão forte para que houvesse a conversão. De quem? Do ministro da fazenda. Que era quem?

MYLTON SEVERIANO - Fernando.
MARCOS ZIBORDI - Henrique.
MYLTON SEVERIANO - Cardoso.
PROTÓGENES - Tento localizar os banqueiros. Todos fugi­ram. Os franceses todos. O contador, assassina­do. O laranja Alberto morreu de morte natural, enquanto nós estudantes lutávamos, dizíamos que a dívida externa não existia, e, de fato, par­te dela era artificial. A coisa é grave, vamos fa­zer uma continha, nós contribuintes, que cre­mos que existe uma ordem no país. Títulos que adquiri por 200 mil, converti no Brasil os 20 milhões de dólares, quanto tive de lucro? 19 milhões e 800 mil. Vamos fazer essa continha para vocês dormirem direito hoje. Esses 19 mi­lhões mandei para minha matriz, o papel está na minha mão ainda, porque dizia o seguinte a norma do Banco Central: ao converter esse tí­tulo, invista em empresa brasileira, e ao final de doze anos “Brasil, mostre a sua cara e me pague aqui, você me deve, pois sou credor des­sa nota promissória chamada título da dívida externa brasileira”. Está na lei. Bota aí. Soma 20 milhões com 19 milhões e 800 mil: 39 mi­lhões e 800 mil. Nós devemos isso aí? E mais, o que pedi? Que o juiz bloqueasse o título do Paribas, não pagasse, indiciei os diretores. Por quê? Porque estava se aproximando o final dos doze anos, o título estava vencendo e tínhamos que pagar. Pedi que o Banco Central enviasse cópia de todos os processos de conversão da dí­vida externa brasileira pra mim. Estou esperan­do até hoje. Sabe o que o Banco Central falou? “O departamento não existe, nunca existiu, era feito por uma seção aleatoriamente lá no Banco Central.” Então nós não devemos esse montan­te de milhões que cobram.

RENATO POMPEU - Só não entendi o que o Fernando Henrique Cardoso ganhou com isso.
PROTÓGENES - Calma, calma. Sobrou uma para contar a his­tória. A Célia da Avenida São Luís. A mulher de verdade. Era companheira do Alberto, ex-embai­xador do Brasil no Líbano. Quando estourou a guerra ele fugiu e viveu na França, estudando na Sorbonne. Quem ele conhece lá?

MYLTON SEVERIANO - Fernandinho.
PROTÓGENES - Colegas de faculdade. A Célia, marquei de­poimento numa quinta, véspera de feriado, às seis da tarde na superintendência da Polícia Federal. Uma morena bonita, quase 60 anos, me disse que tinha sido miss, modelo, era só­cia nessa empresa, tinha tipo 1 %. Furiosa, “que absurdo, véspera de feriado, perder meus negó­cios, engarrafamento”. Já estava gritando no corredor. Dei um molho de uns trinta minutos até ela se acalmar. Pensei “essa mulher está fu­riosa e tem culpa no cartório”. Falei “obriga­do por ter vindo”, e ela “obrigado nada, o se­nhor é indelicado, desumano, sou dona de uma indústria de sorvetes, e me chama numa hora importante porque tenho que distribuir sorve­te, é feriado, o senhor não tem coração”. No meio da esculhambação, digo “tenho que cum­prir meu dever, sou funcionário público”, e ela “aposto que é o caso daquele Paribas, não sei por que ficam me chamando, e tem mais, fui companheira do Alberto, e ele foi muito mais brasileiro que muita gente. Era digno, hones­to, ficam manchando a alma dele. Eu ajudei ele até o fim da vida, inclusive sustentei parte da família dele”. Percebi que não sabia a verdade, ela disse “ele morreu pobre, ficou esperando a conversão dessa dívida que nunca houve”. De­talhe: na quebra de sigilo bancário encontrei um cheque do Alberto que ele recebeu, 64 mi­lhões, na boca do caixa do banco Safra. E ele transfere as cotas para uma empresa criada pelo Paribas em nome dos diretores.

MYLTON SEVERIANO - No Brasil?
PROTÓGENES - Já é um Paribas do Brasil. Transfere para a subsidiária, e os diretores começam a sa­car. O primeiro quem recebe é ele, valor equi­valente a 5%. E ela disse “ele não recebeu a comissão dele que era de 5%”. Bateu! Tran­quei o gabinete, falei “vou mostrar um do­cumento, mas se disser que mostrei, pren­do a senhora”, era a cópia do cheque, com assinatura e data. A mulher começou a cho­rar. “Desgraçado. Que o inferno o acolha!” Ela disse “tenho muito documento na minha casa”. Se fizesse pedido de busca e apreensão chamaria atenção da Justiça, teria um inde­ferimento. Essa investigação estava sendo arrastada. Fiz uma busca e apreensão ao in­verso, “a senhora permite que selecione o que quero?”, ela disse “perfeito”. Naquela véspera de feriado, peguei dois agentes, con­trariando colegas que queriam ir embora…

MYLTON SEVERIANO - Qual o ano?
PROTÓGENES - 2002. Saímos de lá de madrugada, era um apartamento antigo, magnífico. Ela cho­rando, “desgraçado, até comida na boca eu dei”. Ela me dá uma agenda, “aqui parecia o Banco Central, eu atendia o doutor Alberto, da área internacional”. Encontrei documen­tos, agendas que vinculavam ele ao Armínio Fraga, ao Fernando Henrique, inclusive uma carta manuscrita, não vou falar de quem, de­pois confirmada, ela falou “levei esse presen­te, pessoalmente, até a casa do Fernando”. Mandei documentos para perícia. Na época era eleição do Fernando Henrique.

RENATO POMPEU - Não, do Lula.
PROTÓGENES - Isso. Lula venceu contra Serra. Fernando Henrique era presidente.

RENATO POMPEU - Ele recebeu dinheiro então?
PROTÓGENES - Vamos pegar a linha do tempo. Ele sai de ministro da Fazenda e vira presidente. O ge­rente da área internacional que dá o parecer no processo, quem era? Armínio Fraga. Que presidiu o Banco Central. Essa investigação não sei que fim deu. Pedi ao Banco Central o bloqueio de todos os títulos da dívida externa brasileira que foram convertidos. E pedi cópia de todos os processos de conversão junto ao Banco Central para investigação.

RENATO POMPEU - Saiu na mídia?
PROTÓGENES - Em parte, mas foi abafado. Quem conseguiu publicar foi, se não me engano, a Época.

PALMÉRIO DÓRIA - Citando Fernando Henrique?
PROTÓGENES - Não, não citou. A reportagem era “Fraude à francesa”. Essa investigação surge da denúncia de um advogado, Marcos Davi de Figueiredo. Ele sofre uma pressão implacável dentro do ban­co. A Célia passa a ser ameaçada, logo que pres­ta depoimento entregando tudo. Inclusive os es­critórios que deram suporte a essa operação, um do Pinheiro Neto, e ela diz que sofria ameaça do próprio Pinheiro Neto. O procurador foi o dou­tor Kleber Uemura.

MARCOS ZIBOROI - É a última notícia?
PROTÓGENES - Sim. Parece que ele tinha conseguido a que­bra de sigilo bancário. Depois o dinheiro saiu no mercado paralelo e entraram grandes empresas com esquemas de saída de dinheiro. Tinha a Co­tia Trading, que tinha uma coisa com a Volkswa­gen. Entra gente muito poderosa no esquema. Pedi a quebra de sigilo de todas as pessoas que participaram da fraude. E o Kleber conseguiu, aí não acompanhei mais. O Tribunal Federal deu a decisão de que era para não ter quebra de sigilo, era a juíza, salvo engano, Sylvia Steiner. Dá de­cisão favorável ao banco. Meses depois é nomea­da juíza do Tribunal Penal Internacional pelo…

RENATO POMPEU - … excelentíssimo presidente da República.

domingo, 7 de dezembro de 2008

O serrágio não podia dar aumento para a polícia....

Gabinete em SP gasta mais do que a Polícia*

O gabinete do secretário da Segurança Pública de São Paulo gastou em dinheiro vivo com operações policiais reservadas mais do que os Departamentos de Investigação sobre Narcóticos (Denarc), o de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) e a Corregedoria da Polícia Civil. A situação se estendeu de 2002 até março deste ano. Em 2004, nenhum departamento nem mesmo o serviço secreto da Polícia Militar gastou mais do que o gabinete. E isso sem efetuar prisão, infiltração no crime organizado ou instaurar inquérito.

Professores de Direito Administrativo e de Direito Público ouvidos pelo Estado questionaram a forma, a quantidade e quem fez os gastos. “Ele (a chefia do gabinete da secretaria) é um órgão político e não de execução. Duvido muito que isso seja despesa dentro de suas atribuições”, afirmou Maria Sylvia Zanella Di Pietro, professora de Direito Administrativo da Universidade de São Paulo (USP). A secretaria negou qualquer irregularidade e afirmou que os gastos são legais.

De fato, o uso de dinheiro vivo não é ilegal. Ele ocorre quando a verba é usada por meio de adiantamento de despesa. O gasto dessa forma é feito antes de sua comprovação. Como a verba é secreta, dispensa documentos, como nota fiscal, que o comprovem. O adiantamento não permite verificar o destino do dinheiro no Sistema de Gerenciamento da Execução Orçamentária (Sigeo). A gestão de Saulo Abreu gastou R$ 2,2 milhões e a de Ronaldo Marzagão, R$ 479 mil, com operações.

Em 2004, por exemplo, o gabinete do secretário (gestão Saulo) gastou em dinheiro R$ 610 mil com “operações sigilosas” ou 45% a mais do que o usado no ano até pelo serviço secreto da PM (R$ 420 mil) e pelo Deic (R$ 420 mil) e 309% mais do que o Denarc (R$ 149 mil). O Estado teve acesso a 119 cheques sacados em dinheiro que confirmam os gastos de 2004. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

*Deve ser por isso que o PCC deita e rola no estado.

sábado, 6 de dezembro de 2008

Sexta-feira, 5 de Dezembro de 2008

“Antes eco-chato que eco-burro”


“Tudo o que acontece à Terra – acontece aos filhos da Terra. O homem não teceu a teia da vida – ele é meramente um fio dela. O que quer que ele faça à teia, ele faz a si mesmo”.
Chefe Seatlle

Por todo o estado o clima é de desolação. No vale do Itajaí as famílias contabilizam mortos e estragos. Nunca se viu tanta destruição. Mas, ao contrário do que a televisão tem dito, toda a tragédia não se deve exclusivamente às chuvas que caíram muito mais do que o normal nesta época do ano. Há que buscar as causas humanas, as omissões e ações indevidas. Nos espaços do saber as vozes se levantam indignadas: tudo isso já havia sido anunciado no início da década de 80, quando Blumenau ficou sob as águas. Muitos estudos foram feitos, precauções forma anunciadas e nada se cumpriu. Além disso, a destruição sistemática da floresta amazônica acaba tendo implicações viscerais com o que aconteceu em Santa Catarina e o que ainda pode ocorrer em outros lugares do país.

Segundo estudos divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia, a floresta que toma conta do norte do Brasil é a responsável pela precipitação de chuvas no país e em toda América Latina, assim, o que acontece com ela afeta a todos, indiscriminadamente. Por isso é que os gritos de movimentos ambientalistas contra a destruição - que segue a passos largos via madeireiros, plantadores de soja, criadores de gado, etc... - não devem ser considerados como “histerias” de eco-chatos. As chuvas em Santa Catarina e a seca no Rio Grande e Argentina são exemplos do que a devastação da floresta pode causar. Documento divulgado por professores de várias universidades do Estado de Santa Catarina alerta para esta questão e insiste: não foi apenas o fenômeno atmosférico de precipitações que acontece nos meses do final do ano. É certo que este foi atípico. Em todo o mês de novembro caiu 1.001,7 milímetros, o equivalente a seis meses de precipitação e no final de semana fatídico teve-se a metade disso. Mas há mais coisas a se dizer.

Uma fala de Blumenau

Passado o pior momento, começam agora as tentativas de explicação. Em Blumenau, entre os estudiosos do meio ambiente, ferve uma grande indignação. É que já se fala na contratação de técnicos de São Paulo e até da Alemanha para realizar levantamentos sobre as áreas atingidas. É como isso já não existisse há 30 anos e como se ali, na boa e velha FURB, não houvesse gente capacitada para dar respostas. Tanto tem que os professores ligados ao Centro de Operações do Sistema de Alerta da Bacia Hidrográfica do Rio Itajaí Açu, o CEOPS, já haviam alertado as autoridades sobre a enchente. “Receberam como resposta que não estava chovendo em Rio do Sul, daí não haver perigo. Talvez porque ninguém esperasse que fosse chover tanto”, diz Rudi Ricardo Laps, professor da FURB na área da ecologia e também integrante da Acaprena – Associação Catarinense de Preservação da Natureza, uma das mais antigas do país.

É Rudi quem lembra o trabalho realizado por um professor da FURB e outro do Paraná há 30 anos, bem antes da última grande enchente. No levantamento feito estão muito bem demarcadas as áreas que deviam ser reservadas para a preservação e que jamais poderiam ser parceladas. Dentre estas áreas, muitas são as que ficaram sob as águas e tiveram deslizamentos, como a rua José Reuter, por exemplo, na qual morreram sete pessoas. O trabalho também mapeia o sul da cidade como uma região de córregos, importante manancial de água, que deveria ter sido protegido. Também orienta a prefeitura sobre a instabilidade geológica da região, apontando como inadequado o crescimento da cidade para aquela direção. O estudo feito acabou gerando um decreto municipal, o 1567, de 05 de julho de 1980, que normatizava a ocupação.

Mas, apesar de ser lei, este decreto acabou sendo reiteradas vezes maculado. Rudi conta de um loteamento feito numa região de morro, com declividade acima de 30 graus, portanto fora das normas de segurança, de propriedade de Adelino Batista. Na época, a Acaprena se manifestou contra o parcelamento da terra, entrou com ação, mas não conseguiu vencer. Adelino vendeu o morro a um vereador da cidade, Arlindo de Franceschi (PSDB) e ele deu seguimento ao loteamento. “Essa região foi agora devastada, assim como também o jardim Marabá, que igualmente deveria continuar sendo uma Área de Preservação Permanente. Na época todos foram coniventes, juízes, vereadores, autoridades e todos tinham ciência de que a região sul tinha que ter sido preservada. E não se trata de só salvar os bichos e plantas, como dizem os que nos criticam, mas de salvar as pessoas, como ficou provado agora.”

Os ricos subiram o morro

Outro problema candente no espaço de Blumenau foi a ocupação desenfreada dos morros pela classe média. Ocorre que a enchente de 1983 deixou uma marca profunda nos moradores do centro da cidade. Naqueles dias a água subiu 16 metros e a cidade ficou praticamente submersa. O medo de que isso fosse se repetir levou as pessoas que tinham condição a comprar terra nos morros. A lógica era simples. Se a água tinha invadido a baixada, nos morros não subiria. Então, esta região da cidade passou a ser ocupada. O solo que já era geologicamente frágil ficou mexido e não resistiu às condições anômalas de chuva do mês de novembro e do fatídico fim de semana de 8/9. “Foi incrível, mas a gente podia ver as piscinas caindo dos morros junto com as casas. Uma cena terrível”, diz Rudi.

O morro do Baú, tremendamente atingido pelos deslizamentos também é um exemplo concreto do que pode fazer uma ação anti-preservacionista. Apesar de ser uma Área de Preservação Permanente, o morro do Baú foi, nos últimos anos, seguidamente violentado sem que nada fosse feito para impedir. Durante esse processo de invasão, de retirada ilegal de madeira, de surrupio do palmito (importante cobertura natural da região), as entidades de luta ambiental fizeram denúncias, gritaram, espernearam. Mas, eram ridicularizados como os “eco-chatos”, os que queriam travar o progresso. Não foram ouvidos. Agora, os mesmos políticos que fizeram vistas grossas a estas denúncias aparecem como “os comovidos”, oferecendo cestas básicas aos desabrigados. No mínimo, fariseus.

O código

Não bastasse todo o descaso com os estudos e denúncias feitas por ambientalistas e pesquisadores agora o governo de Luis Henrique da Silveira pretende aprovar, em caráter emergencial, um novo Código Ambiental, que foi totalmente alterado sem levar em conta as sugestões dadas pelas entidades durante o processo participativo de construção do documento. “Não é à toa que Luis Henrique recebeu o Prêmio Porco da Federação das Entidades Ambientalistas Catarinenses e é chamado de o exterminador do futuro, porque ele está destruindo a educação, a cultura e o ambiente”, dispara Rudi Laps. Segundo ele, o documento que tramita na Assembléia tem problemas seríssimos como a diminuição das Áreas de Preservação Permanentes nas margens de rios e nos topos dos morros. “Existe uma lei federal que estabelece os 30 graus de declive, a metragem das margens dos rios que não podem ser tocadas. O Itajaí Açu, por exemplo, teria que ter intocados até 100 metros das margens. Mas quem fiscaliza? Quem aceita isso? Só que esta é uma lei federal e o Código em debate pretende burlar essa lei”.

Outro problema apontado no código é o fato de ele condicionar a implementação de novas unidades de conservação estaduais à Assembléia Legislativa. Conforme Rudi, sendo assim, novas áreas não deverão criadas, pois todos sabem muito bem os interesses que são defendidos pelos deputados e como tudo isso pode virar uma batalha de barganhas e corrupção. “Eles também poderão revisar a lei de proteção à Serra do Tabuleiro o que pode trazer a tragédia para Florianópolis. Afinal, se aquela área for degradas, a capital pode ficar sem água”.

O professor da FURB conta que um dia antes da chuva torrencial que detonou a tragédia ele estava na estrada em uma viagem de estudos com os alunos e puderam notar, no caminho entre a cidade de Torres e Blumenau qual era a situação dos rios diante da chuva que caia. “Nós fomos observando os rios e todos eles estavam açoriados, lodosos, barrentos. Já o rio Massiambu, que descia do alto da Serra do Tabuleiro estava limpo. Foi impressionante porque a aula prática acabou perfeita. Os alunos puderam ver o que pode significar um lugar preservado”. A mesma relação Rudi faz com o Parque Nacional da Serra do Itajaí, outro espaço de preservação que, diante de toda a tragédia que se abateu sobre a região, permaneceu intacto. A lição está aí, estourando na cara. Só não vê quem não quer ou é mal intencionado.

O futuro
Para os ambientalistas e pesquisadores de Blumenau o amanhã segue sendo muito conhecido. Não há necessidade de o prefeito trazer gente de fora da cidade para fazer estudos. O poder público sabe muito bem quais são as áreas de solo instável e, conforme o professor, nenhum solo instável torna-se estável em 30 anos. Aqueles espaços onde aconteceram os deslizamentos seguem sendo de risco. “O que se pode fazer é, isto sim, um estudo para ver se surgiram novas áreas de instabilidade geológica”.

O fato é que ninguém pode dizer que não foi avisado da tragédia. Na semana anterior às grandes chuvas, o conhecido ambientalista blumenauense Lauro Eduardo Bacca, um dos fundadores da Acaprena, escreveu um artigo no jornal comentando o primeiro deslizamento de terra que havia ocorrido no morro Coripós. “A desgraça está anunciada”, disse ele, profético. E foi o que aconteceu. Na semana seguinte, as regiões já apontadas no plano diretor da cidade como não parceláveis, vieram abaixo. Portanto, avisos não faltaram.

Mas, o fato é que toda esta discussão acaba não chegando ao povo, às gentes simples que compram terras em loteamentos ilegais ou em espaços degradados, passíveis da desgraça. Até porque a mídia, cortesão do poder, raramente dá espaço para as denúncias dos ambientalistas. E, as pessoas, na verdade, não têm muita escolha. Diante da transformação da terra em mercadoria, só podem fincar suas casas onde o bolso alcança. Então, tampouco se pode reputar a culpa aos pobres que se metem em lugares de risco. Para eles não há alternativas. Os que devem ser cobrados e punidos são os que se apropriam das terras e as loteiam, sabendo de todos os riscos. No geral, estes, não são pobres. São os mesmos especuladores de sempre, basta seguir o rastro nos cartórios da cidade. Muitos deles têm sobrenomes chiques, são políticos, autoridades, enfim...

Agora, as cidades iniciam seu processo de reconstrução. Doações chegam de todos os lugares deste Brasil solidário e, no mais das vezes, escapam do controle. Muito do dinheiro doado pode não chegar e o que chegar sabe-se lá para o quê será usado. Além disso, no caso de Blumenau, o poder público terá de tomar medidas drásticas como a retirada gradual de todas as famílias que vivem nestas áreas impróprias - o que significa praticamente todo o sul da cidade - cerca de quatro mil pessoas. Isso requer uma mudança radical e cara. Mas, segundo os estudiosos é absolutamente necessária. “Os solos da parte sul precisam ser preservados, são frágeis. A cidade só pode crescer para o norte onde os solos são um pouco melhores”, insiste Rudi Laps.

Além disso, a cidade precisa investir em fiscalização. Não basta ter leis que regulamentem a ocupação do solo. Há que estar atento, ter controle. A Fatma, que é um órgão ambiental do Estado, está sucateada, faltam trabalhadores. Na cidade de Blumenau o efetivo da Polícia Ambiental é de apenas oito homens. Isso tem de mudar. Ou as pessoas entendem de uma vez por todas que suas vidas têm ligações viscerais com a vida do planeta, ou momentos trágicos como estes que viveu o Estado se repetirão. E esta não é uma receita apenas dos chamados eco-chatos - que de chatos não têm nada – é também preocupação de profissionais como os engenheiros, arquitetos, biólogos, enfim, todos os que, de uma maneira ou de outra, estudam estas questões. “Antes ser um eco-chato do que um eco-burro”, diz o ambientalista Lauro Bacca. Mais do que nunca, ele tem razão.

E, no brutal mundo capitalista, enquanto as famílias que perderam gentes e bens - por conta da vileza dos especuladores de plantão que burlaram todas as leis - tentam encontrar um caminho para seguir vivendo, as municipalidades iniciam a chamada “reconstrução”, muitas vezes se valendo de empresas já especialmente preparadas para os “desastres”. Em casos assim, de tragédias anunciadas e guerras sem razão, também já se tem muito claro que são os que sairão ganhando. Neste sistema do capital tem um tipo de gente que nunca perde.